
Líder opositor da União para a Democracia e o Progresso Social eleito para suceder a Kabila na Presidência da República
Fotografia: DR
Os congoleses foram confrontados às três horas da manhã de ontem com o
anúncio oficial dos resultados provisórios das eleições presiden-
ciais
de 30 de Dezembro, com a CENI a indicar Félix Tshisekedi como vencedor
com mais de sete milhões de votos, o que lhe dá uma percentagem de 38,57
por cento dos votos.
Atrás dele, com menos um milhão de votos, ficou
o outro candidato da oposi-ção, Martin Fayulu, seguido de Emmanuel
Shadary, da “maioria presidencial” que teve o apoio de quatro milhões de
votantes.
“Tendo obtido 7.051.013 votos válidos, ou 38,57 por cento,
é proclamado provisoriamente eleito Presidente da República Democrática
do Congo, o Sr. Tshisekedi Tshilombo Félix”, disse o presidente da
comissão eleitoral, Corneille Nangaa, a meio da madrugada.
Martin
Fayulu, apontado até ontem como potencial vencedor das eleições por
diversas organizações civis que acompanharam todo o processo eleitoral,
obteve um total de 6.366.732 votos (34,83 por cento), enquanto Emmanuel
Shadary arrecadou 4. 357.359, equivalentes a 23,84 por cento.
Segundo
os dados da CENI, a taxa de participação foi de 47,56 por cento, o que
equivale a dizer que dos cerca de 40 milhões de congoleses que estavam
aptos para votar apenas 18.329.318 o fizeram.
Estes resultados
provisórios terão que ser oficialmente publicados até ao próximo dia 15,
decorrendo até a esta data um período para a apresentação de eventuais
recursos.
As eleições de 30 de De-zembro, com 21 candidatos
presidenciais, não se realizaram em todo o território, uma vez que a
comissão eleitoral decidiu adiar para 19 de Março o acto eleitoral nas
cidades de Beni, Butembo e Yumbi, devido à epidemia do ébola e aos
conflitos dos grupos armados.
Inicialmente previstas para 2016, as
eleições de 30 de Dezembro tinham sido adiadas duas vezes. O ainda
Presidente Joseph Kabila governa desde 2001 um país rico em recursos
naturais, mas marcado por sucessivas crises políticas e por um conflito
armado que já provocou milhões de deslocados.
Sucessivos adiamentos
A
reunião durante a qual a CENI aprovou os resultados provisórios foi
longa e bastante cansativa, tanto para os que nela participaram como
para os jornalistas e para uma enorme multidão que aguardava pela saída
do “fumo branco”.
Antes da divulgação dos resultados, a imprensa foi
chamada por três vezes para uma sala onde aguardou longas horas em vão
pela chegada de Corneille Nangaa, o fleumático presidente da CENI que
nos últimos dias mereceu uma atenção especial por parte da imprensa
nacional e internacional.
Segundo uma fonte diplomática que
acompanhou a proclamação dos resultados, durante duas horas os
jornalistas e observadores eleitorais tiveram que ouvir os relatores da
CENI darem números referentes às eleições provinciais, que se realizaram
em 23 das 26 províncias do país, uma opção que causou alguma
contestação mais musculada que teve que ser moderada pela intervenção da
Polícia.
No exterior das instalações da CENI, a secretária-geral da
coligação que apoia Martin Fayulu, Eve Bazaiba, gritava que a “população
congolesa tinha já escolhido o seu Presidente da República, que todo o
mundo conhece”.
Um dia antes da proclamação dos resultados provisórios, a Conferência Epis-
copal, num comunicado conjunto com a Igreja Cristo
do Congo (protestante), apelava contra a fraude, o Papa Francisco pedia
o respeito pelos resultados e até o Presidente Denis Sassou Nguesso
insistia na calma e respeito pelo veredicto popular.
Aconteça o que
acontecer a partir de hoje, a verdade é que a proclamação destes
resultados reveste-se de um carácter histórico para a RDC, uma vez que
sublinha o respeito pela Constituição que não permite mais do que dois
mandatos presidenciais consecutivos.
Martin Fayulu promete recorrer
Martin Fayulu, provisoriamente classificado em segundo lugar nas
eleições da RDC, segundo a contagem da CENI, anunciou que vai recorrer
ao Tribunal Constitucional.
Em declarações à imprensa internacional,
Fayulu considerou que se está perante um “golpe eleitoral” que “altera a
vontade que o povo expressou nas urnas”.
Para este candidato, a CENI
cedeu à tentação de “travar” a vontade do povo e recordou que há poucos
dias realizou-se uma reunião entre elementos da campanha de Tshisekedi e
do gabinete de Joseph Kabila para acertos de uma estratégia comum para o
período pós-eleitoral.
“Os resultados divulgados pela CENI não têm
nada a ver com aquela que é a vontade do povo”, disse Martin Fayulu duas
horas depois de saber dos resultados anunciados pela comissão
eleitoral.
Fayulu pediu também à Igreja Católica para divulgar os
resultados que obteve da sua equipa de 40 mil observadores que
registaram as estatísticas de votação publicadas em cada um dos centros
de votação. O candidato denunciou que sabia da existência de um acordo
para declarar Tshisekedi como vencedor. “Em 2006, a vitória de
Jean-Pierre Bemba foi roubada. Em 2011, a vitória de Etienne Tshisekedi
foi roubada. Em 2018, a vitória não será roubada a Martin Fayulu”,
disse.
O Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, através de um
comunicado do seu gabinete, exortou todas as partes, regionais e
internacionais, para se absterem de fazer especulações de modo a que a
“CENI possa conduzir o processo com a recomendável lisura”. Mais
contundente, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le
Drian, rotulou de “duvidosos” os resultados provisórios divulgados pela
CENI, enquanto o presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki
Mahamat, endereçou “felicitações ao povo e a todos os actores políticos,
à sociedade civil e às instituições competentes e apelou para que
consolidem a paz e a democracia no país”.
Para ele, é importante que
toda a contestação aos resultados agora divulgados seja feita de forma
pacífica e com recurso ao que está previsto na lei. A Conferência
Episcopal, numa primeira reacção, disse que os resultados divulgados
pela CENI não correspondem aos que estão na sua posse.
Admitia-se
ontem em Kinshasa que a Igreja Católica pudesse convocar uma conferência
de imprensa para então assumir uma posição mais consubstanciada.
Na
rede social Twitter, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António
Guterres, felicitou o povo congolês e garantiu o apoio da organização
para a paz e a estabilidade no país.
Pouco depois, em Nova Iorque, a
porta-voz, Stéphane Dujarric, afirmou que Guterres tinha também apelado
a que todas as partes se abstenham de qualquer acção que viole a
Constituição.